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quinta-feira, 14 de março de 2013

Andarilho Negro. [2]

"Amada Julieta,
vim por meio das palavras procurar o significado da estranha sensação que venho sentindo nos últimos dias, desconfio de um vazio existente em meu coração que não há de ser curado por nenhuma erva ou medicamento químico, nem possibilidades de diagnóstico de algum ótimo Doutor. As últimas noites têm sido mais longas do que os dias que passam num piscar de olhos, acordo todas as manhãs preso em minha consciência que não abandona a mania de se lembrar de você
Tenho me entregado a muitos livros nos últimos tempos, tenho estudado a física que rege o universo e o romance que rege os cosmos. Minha busca por uma nova inspiração está incessável e insaciável.
Também tenho notado que meus pensamentos andam cada vez mais minuciosos e silenciosos, que meus gestos gesticulam preguiça e tristeza, desânimo. Noto na leveza do meu olhar o desinteresse que me prende no mundo ao meu redor e às pessoas do meu cotidiano.
Tenho tentado pensar um pouco menos em você, de me entregar cientemente ao amor que ainda sinto. Os imaginários da minha mente não mostram-se mais tão eficazes, a casa que outrora pegava fogo hoje está abandonada reduzida a cinzas e lembranças, cinzas de lembranças. O quarto em que dormíamos na noite em que o incêndio aconteceu não existe mais, a árvore que tinha nossas letras rabiscadas morreu e secou. O asfalto que comeu minha pele quando me arrastei para protegê-la virou terra e agora segue uma trilha em direção a um caminho que trilhei já há muito tempo.
Escrevo-te estas palavras para reduzir a pena que reside em meu coração, descobri por meio do tempo que a pior prisão é a da mente, que as piores torturas são as que jamais esquecemos ou deixamos de sentir, e que a melhor história sempre será a que nos inspira a contar outra.
Hoje, estou preso numa torre que se ergue para baixo da Terra e é feita de barro. Não existe Luz aqui, não há brisas do vento e nem o cantar dos pássaros. Já há muito tempo minha pele não se aquece com os raios de Sol. Procuro sorrir, embora toda vez que tento num gesto falho, me lembrar do Azul que tinha o céu, de como pareciam leve as nuvens que pousavam andarilhando por aí sem preocupação ou destino. Desde que fui preso ando escrevendo muito. Abandonei as palavras agora uso apenas os meus Pensamentos e descobri que já sou velho, que o Jovem de ontem que costumava escrever para se traduzir cresceu e se tornou um homem de cabelos grisalhos e um olhar profundo amarelado, vivido e sofrido. Um velho detento cheio de lembranças, mágoas e arrependimentos.
Mas, apesar de continuar preso admito conscientemente que o preço que paguei para estar aqui não deixou de ser justo nenhum segundo sequer. Me lembro de ouvir seus lábios pronunciarem as palavras que serviriam como punhal para destruir o que constituía o meu coração carnal, foi quando precipitadamente, escolhi abandoná-la. Sem arrependimentos.
Amada Julieta, gostaria que soubesse, afinal, que me entreguei à solidão pelo risco de vê-la feliz com um sorriso merecedor do seu reflexo e esforços. Me entristece só de pensar se aí onde respira não pode sorrir ou não tem motivos para fazê-lo. A cada segundo que passa meu pensamento se intensifica com o desejo de alcançá-la para conversarmos novamente sem compromissos numa praça qualquer, sentir o vento, sentir o Sol, apreciar o momento, ter sua presença.
Do Andarilho Negro, um pensamento velho..."




Sallut
14.03.2013

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