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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

"...feche os olhos e me encontre..."

- Nos encontramos de novo.
- Parece que sim. _assentiu. Me olhou dentro dos olhos e esboçou um doce e tímido sorrir. Por dentro queríamos dizer muito mais.
- Como você se sente? _ perguntei curioso por não saber se seria sincera comigo.
- Me sinto bem. E você? _mentiu.
Não respondi. Notei a mentira em seus olhos, como sempre.
Desviei o olhar e olhei para o céu, já escurecia quando nos encontramos acidentalmente. Não conseguia enxergar estrelas naquele instante, nem me lembro que mês era.

Queria fazer só uma pergunta, mas não sabia se ela me diria. Não quis me permitir nem seu estar recente. Tinha perdido todas as palavras que poderia dizer a ela. Tinha perdido e desperdiçado sua confiança. Naquele momento eu só queria poder conversar com ela. Mais nada. Mas não.

- Sabe, eu não sei bem se quero conversar com você. _ameaçou levantar-se.
Não respondi. Nem desviei o olhar frio do vazio. Apenas ouvi e deixei que suas palavras fizessem eco em minha cabeça.
-...você está bem? _tocou-me no ombro como uma desconhecida. Aquele toque me doeu até as raízes dos dentes na boca. - Eu te conheço e sei o que significa o seu silêncio. Você não me engana. _sentou-se novamente ao meu lado, distante.
Passaram-se alguns instantes no silêncio.

- As vezes só queria que não tivéssemos arriscado, penso que nossa amizade seria mais gloriosa do que nosso amor foi. _foi sincera, pela primeira vez no dia.
A olhei nos olhos e quando vi seus traços me senti apaixonado de novo. Pelos lábios, os olhos, os cabelos cacheados e as sardas no rosto. Não sabia exatamente o que estava fazendo ali.
- Eu também penso assim as vezes. Quando não estou pensando que fiz a maior burrada em tê-la permitido partir, ou simplesmente ter partido. _olhei para o chão indignado com meus próprios erros.

E o silêncio...
O vento soprou e provocou arrepios a nós dois, começava a fazer frio mas não ouvi reclamações. Percebi que ela queria ir embora, mas não foi.
Me perguntei o por quê. Mas não perguntei a ela.

- Queria poder te abraçar e te apertar como nunca fiz antes. _não tive coragem de dizer encarando sua face.
Ela não respondeu. Notei um tímido e discreto sorriso se permitindo em sua face.
Me senti bem com aquilo. E então bati na porta.
A olhei e esperei que seu olhar encontrasse o meu. Quando o fez senti a mesma lâmina que me feriu e fez sangrar há dois anos perfurar as camadas frias e duras do meu coração curado com muito custo. Me senti em suas mãos. Domado.
Ela se aproximou e por um instante achei que fosse me dar um beijo. Me desesperei por dentro.
Mas foi só um abraço. Sincero.
Um ato. Um abraço.
E quando ela o fez senti o espírito se aquecer como os ossos a uma lareira.
Senti todos os meus medos e inseguranças jogados no chão, as mãos livres para abraçá-la de volta.

Não dizemos nada. O silêncio, naquele instante, dizia tudo o que não queríamos ouvir. Gritava todas as nossas verdades doloridas escondidas com o tempo.
Aquele silêncio revelou que nosso amor fora enterrado com lágrimas, em ambos corações, embora o meu estivesse trancado na mais profunda cela do peito dela.
Nosso silêncio tocou nossa chama, que jazia apenas cinzas esquecidas por obrigação. Quando percebemos as mesmas cinzas viraram faíscas, e o vento soprou...
Elas voaram e as faíscas viraram chamas. A chama cresceu e esquentou tudo lá dentro.
Eu não sei o que aconteceu. Quis beijá-la. Mas não podia.
A olhei nos olhos e, sem as palavras, disse isso. Ela entendeu e consentiu, em silêncio.
Ficamos nos olhando e toquei seu rosto, apreciei as curvas da maçã de seu rosto, passei o dedo indicador pelo queixo e o levei até a curva entre as orelhas. Senti sua pele arrepiar-se. Senti vontade de ter sua cabeça nas mãos pela nuca, sentia no mais profundo dos meus desejos vontade de tocar seus lábios. Mas eu não podia.
Meu olhar denunciava isto. O olhar dela entendia.
Até que uma lágrima simplesmente escorre de seu rosto. Surpreendida leva a cabeça contra meu peito e se derrama toda a cachoeira posta em represa durante o tempo em silêncio. Ela me contou tudo com aquelas lágrimas. E eu a abracei. Entendi.

E foi o silêncio... passaram-se tantos minutos que pareciam eternos e que não íamos nos separar nunca mais. Mas foi só um breve momento. Suas lágrimas secaram e ela se recompôs, achei que ia me dizer algo.
Seus olhos estavam lacrimejando, a ponta do nariz vermelho, escorrendo como se tivesse gripada. Os lábios molhados entre suspiros e lágrimas. Ela me olhou, quis sorrir mas não sorriu.
Simplesmente levantou-se e foi embora.

Observei enquanto seus passos a levavam para longe. Vi cada um deles arder chamas quentes dentro de mim. Senti a chama que acabara de se ascender perder a vitalidade, e o que era vermelho tornou-se azul novamente. Quis pisar na fogueira até vê-la apagada e fria. Mas não consegui estava um fogaréu incontrolável. E ela me deixou lá com aquele fogo sozinho, posto a queimar.
Talvez ela quisesse isso desde o início e, como todas as garotas, apenas atuou bem o suficiente para ter o que queria. Eu não sei.
Mas eu ardi no fogo que ela despertou. Fiquei lá sentado deixando ele consumir até a última migalha dos meus órgãos. Não os do corpo. Os da alma. Deixei arder. Que importa?

Aí olhei pro céu de novo, foi naquele instante que vi uma estrela. Uma estrela.
A observei e simplesmente sorri. Ela apareceu na hora certa, não na melhor hora.
Entendi que o brilho daquela estrela valia a pena, mesmo que provavelmente já estivesse morta há milhares de anos. Aquele brilho ainda me alcançava e eu os vislumbrava como se ela brilhasse no mesmo instante que meu pulmão se preenchia de ar. Mas eu sabia, lá no fundo, que aquela estrela estava muito distante de mim. E que não brilhava mais há muito tempo.
Sorri mesmo assim. Porque ela era muito bela.
Brilhava tão intensamente que parecia me tocar com o dedo indicador bem na testa, acima dos olhos.
Quis levantar e ir embora, mas não fiz isso. Senti vontade de ficar ali sentado.
Pensando. Me torturando. Rolando nas chamas para queimar tudo o que precisava ser queimado de uma vez. Pensava sinceramente que aquilo resolveria.
Fiquei ali tempo o suficiente para os ventos soprarem de novo e me fazer notar que a chama não iria apagar. E que rolar em cima dela não iria mudar o fato de que dói e vai continuar doendo.
Dei uma última olhadela para aquela estrela, peguei meu chapéu e continuei.

Levantei-me e caminhei durante tempo o suficiente até o próximo... não sei quando nem onde... mas, cá estou, agora.
Um dia antes de completar 1 ano do nosso último encontro.
Cluster One - Pink Floyd.



Sallut
05.09.2013

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