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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Amanhece um dia de chuva.

"...estava sendo levado para um lugar que sabia que jamais iria chegar, eu estava morrendo. A cada salavanco que o carro dava naquela estrada de terra cheia de pedras e buracos, meus ossos que pareciam de vidro doíam como se estilhaçassem minha pele de dentro para fora. Minha cabeça doía, sentia frio mas sabia que era uma febre absurda, a ferida na minha costela que assoviou a Morte está latejando, já parou de sangrar mas ainda dói. Deitado no banco daquele carro eu observava o Céu, estava azul e o Sol brilhava com muita vida mesmo aqui, mesmo hoje. Óh, o brilho do Sol...
Pensei naquele momento que a vida que vivi foi curta, aproveitei poucas das sensações que a vida podia proporcionar, mas os dias que vivi no solitário me fizeram entender. Esse meu jeito de pensar, de ver as coisas, de tanto observar. Esse amor. A vida veio para mim de uma forma que, quando chegasse a vez da Morte ela teria outro efeito sobre mim. Morreria como morri hoje, neste capítulo.
Não sei exatamente como foi o porquê eu simplesmente parti dessa, aconteceu. Sei que num futuro breve terei uma nova filosofia, amadurecida, que me dará as conclusões necessárias para seguir a diante."
O carro para. O silêncio me diz que chegamos no nosso destino. Ouço vozes, sussurros, então passos se aproximam. É uma mulher que conheci há pouco, ela estava no mesmo grupo de sobreviventes que eu e dedicou-se a cuidar de mim nos meus últimos minutos de vida.
- Você está bem? _colocou a costa da mão sob minha testa, mediu minha temperatura. Vi seus olhos expressarem preocupação assim que sua mão me toca.
- Devo estar explodindo... _disse com a voz fraca enquanto tossia meio as palavras.
Seu silêncio me confirma. Ela se levanta e se dirige para fora do carro onde todos estão reunidos. Lá ouço mais sussurros e depois de alguns minutos todos decidem entrar para me darem suas conclusões.
-...olá amigo. Como está?
- Estou muito bem. Acho que finalmente chegou a hora. _tentei sorrir mas senti meus ossos evaporarem como se magma os derretesse.
- Como está se sentindo? _olhava nos meus olhos com dois grandes e atentos olhos azuis.
Não respondi, apenas revidei o olhar e deixei que nossos pensamentos se conectassem para que, talvez quem sabe, seu espírito possa refletir o meu sentimento daquele instante.
Ouvi um bater de asas lá fora e um vulto passou, dessa vez sorri docilmente e deixei o meu olhar Poeta guardado no silêncio. Olhei para o rosto de cada um dos que estavam presentes ali no meu fim, então fechei os olhos e permiti escorrer o restante de vida que ainda pulsava meus tecidos.
Lentamente pude perceber que algo se aproximava da janela em que eu estava, mas estava de olhos fechados. Senti que a luz do Sol tampou-se numa sombra que tinha um bafo gelado. Naquele momento eu procurei dentro de todas as minhas lembranças algo que me fizesse partir com um intenso sentimento, alguma lembrança, alguma coisa, alguém... e foi nesse instante que me lembrei de você, pela última vez talvez. Quem sabe?
Sei que não tive muito tempo para pensar em muitas coisas, tive que ser rápido e objetivo. Pensei num sorriso, pensei num momento, pensei num dia e numa ocasião. Lembrei da Lua cheia, lembrei de um céu azul-celeste, lembrei do seu sorriso e do seu cheiro, não pude me lembrar da sensação do seu beijo.
Me lembrei da sua companhia e pensei em quanto tempo já fazia que não a tinha, quis sorrir mas só de espírito, por tê-la conhecido e a amado. Me apaixonado.
E foi assim, aceitei a Morte como uma igual e partimos calmamente seguindo a mesma estrada, mas acompanhado da própria, sabia que meu destino seria diferente.




Sallt
26.09.2012

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